Cruzamos o país de Zurique a Lugano, a "Itália Suíça", de forma diferente: de bike elétrica, trem e até barco
Viajar pela natureza da Suíça de forma ativa e com o mínimo impacto ambiental possível. Esta era a proposta tentadora da jornada pelo pequeno país rico europeu que tem 65% do seu território dominado pelas montanhas dos Alpes.
Ao longo de 4 dias, caminharíamos por trilhas nas montanhas, pedalaríamos bicicletas elétricas em ciclovias nas estradas e faríamos outros deslocamentos usando apenas o pontual sistema de trens suíço.
Ainda que pareça uma maratona épica para atletas, a rota sugerida foi pensada como uma aventura light para turistas com condicionamento físico razoável. Afinal, de norte a sul do país, apenas 200 quilômetros separam Zurique, principal ponto de chegada de voos internacionais, e a charmosa cidade de Lugano, onde a Suíça faz fronteira com a Itália.
Depois de conferir que as caminhadas não seriam super íngremes e que as estradas das ciclovias escolhidas eram planas e sem grandes subidas, aceito o desafio. Teria minha primeira experiência com bicicleta elétrica — o que, confesso, dava algum frio na barriga, uma vez que sou acostumado apenas a esporádicas pedaladas urbanas a lazer. Mas conheceria a Suíça de uma forma original.
A primeira vez na bike elétrica
Cadê os picos nevados e as montanhas verdes habitadas por vaquinhas felizes, como vemos nas embalagens dos chocolates suíços? Começar a experiência em um dia chuvoso não é a estreia que sonhei, ainda mais para minha primeira pedalada em uma e-bike.
Uma Zurique com céu cinza-chumbo recebe a mim e ao meu grupo de 11 viajantes estrangeiros e dois guias em uma manhã do outono europeu. Viajar na baixa temporada e evitar as muvucas do verão é uma das práticas recomendadas para um turismo mais sustentável. Mas a chuva não estava no script.
Com roupas impermeáveis, saímos caminhando do ponto de encontro no hotel Züri by Fassbind para inaugurar os bilhetes digitais Swiss Travel Pass (passe nacional que permite viajar por trens, ónibus e até barcos, além dos meios locais de transporte nas cidades) que vão nos levar até as bikes.
A chuva nos obriga a trocar o local da partida para a vizinha cidade de Zug, a 30 quilômetros. Pegamos as bicicletas e aprendo a acionar os controles para três velocidades, confiro que a bateria está recarregada e constato que a bike elétrica é mais pesada do que as comuns.
A chuva dá trégua e em instantes entramos, enfim, na ciclovia rural entre casebres e lagos alpinos, ao longo de 30 quilômetros pelas 3 horas programadas para este dia 1 até Lucerna.
Na trilha do turismo sustentável
Viajar como fazem os moradores para conhecer a verdadeira cultura local, evitar aviões e veículos particulares que emitem muito carbono na atmosfera e dar preferência a meios de transporte elétrico. Orientações como estas têm sido difundidas na Europa para que os visitantes colaborem contra o aquecimento global e a favor de um turismo mais responsável e menos massivo.
Nossa jornada por múltiplos meios de transporte seguiria esta cartilha, como tínhamos conferido na véspera da viagem, em Zurique, na reunião do grupo para se conhecer, analisar o mapa e receber as instruções finais pré-partida.
Em 12 horas em Zurique, tinha dado para conhecer alguns ícones da excelência Suíça: de chocolaterias a casas de queijos, de bancos imponentes a lojas de canivetes e relógios. Boa parte deles se repetiu pela graciosa Lucerna, cidade mais visitada do país, onde dormimos na primeira noite, no charmoso hotel de design Ameron Flora.
Encontrar hotéis e percursos que permitam o recarregamento das baterias das bicicletas virou algo fundamental no crescente segmento mundial do cicloturismo em e-bike. Nossas mochilas tinham viajado de van com o staff da agência e sido deixadas no hotel. E assim aconteceria ao longo dos próximos dias, para pedalarmos e caminharmos leves.
Caminhada nas montanhas dos Alpes
Com 65 mil quilômetros de trilhas, as montanhas da Suíça são um playground para caminhantes na natureza. E para quem está em Lucerna, uma fotogênica cidade medieval com lindas pontes no lago de mesmo nome, a melhor montanha dos arredores a ser explorada é o Mount Riggi, nosso destino do segundo dia.
Trocamos as bikes e os capacetes do dia 1 por botas de trekking. E voltamos a usar o Swiss Travel Pass: primeiro, para pegar um barco até a bela Weggis; e depois, para subir de bonde dali ao alto do monte, com 1.798 metros de altitude.
Logo no início da trilha, o holandês radicado na Suíça Otto van Andel, nosso guia, explica as placas que identificam com cores os níveis de dificuldade dos percursos. Ao longo de 3 horas, caminhamos 12 quilômetros pela crista do Mount Riggi em vias das categorias T1 e T2, na régua que vai até o T6. Ou seja: os sobes-e-desces são suaves.
O tempo chuvoso nos priva do céu azul com sol, mas Otto sabe nos entreter liderando uma caça aos cogumelos locais — alguns venenosos e outros comestíveis.
A bela trilha Tell-Trail termina na estação do bonde que desce até a estrada. É onde pegamos, pontualmente conforme o aplicativo do Swiss Travel Pass aponta, o transporte que nos leva ao fundo do cênico Vale de Muotathal, base do nosso pernoite.
Quando as vacas descem a montanha
Uma procissão de vacas decoradas com arranjos de cabeça e colares floridos, ladeadas por seus cuidadores e acompanhadas pelas crianças do bairro, nos surpreende quando desembarcamos no ponto de ônibus em Muotathal, de onde caminharíamos até o hotel da segunda noite.
Para nossa sorte, chegamos em meio à procissão anual de Alpabzug, que acontece em meados do outono. O evento consiste em trazer as vacas dos pastos no alto das montanhas para que se protejam do inverno nos celeiros das fazendas.
"É um ritual raro e simples dessa região do interior, e que acontece há séculos", diz o guia Otto, em meio ao tilintar dos sinos nos pescoços das vacas.
Interagimos um pouco mais com a cultura da Suíça Central ao chegar ao hotel, que possui um abrigo onde 37 cães da raça rusky são criados. Durante o inverno, o Husky Lodge serve de base para passeios de dog-sledding, o chamado trenó de cachorros na neve e no gelo.
Antes, no outono, a paisagem cercada pelos Alpes nevados embeleza trilhas como a Weg der Schweiz, que fazemos no terceiro dia (depois de pegar um ônibus para Brunnen e um barco até a histórica Rütli).
Uma trilha de 4 horas e 12 quilômetros leva ao Centro Antigo de Altdorf. Como a chuva volta a dar as caras, encurtamos a perna final e chegamos à cidade de barco.
Pedaladas em zigue-zague
Faz 3 graus na Passagem de São Gotardo, ponto alto da travessia da Suíça, tanto geograficamente — a 2.100 metros de altitude — quanto em termos de emoção. É na manhã do quarto dia, rodeados pela neve das alturas dos Alpes, que reencontramos nossas bicicletas elétricas e damos início ao trecho mais longo e lindo de pedal.
A crista de São Gotardo separa o Norte suíço, que fala alemão, do lado Sul, que tem o italiano como língua (as regiões que usam francês e romanche estão fora dessa rota). Placas nas duas línguas já se faziam presentes no secular St. Gotthard Hospiz onde dormimos, depois de subir de carro desde Aldorf.
Do alto, dá vertigem observar o ziguezague da Tremola, estrada de paralelepípedos com 24 curvas que começo a descer. Construída entre 1827 e 1832, ela é o mais longo monumento histórico do país, e se mostra menos amedrontadora quando aprendo a controlar com toques leves os freios da bicicleta elétrica.
Rapidamente, percorro os 4 quilômetros até Airolo, no pé do morro, e percebo a temperatura mais quente depois da variação de 300 metros na altitude. A partir daí, são 74 quilômetros e 6 horas em ciclovias de estradas cênicas planas até encerrarmos a jornada na estação de trem de Bellinzona e nos despedirmos das bikes, já sob a temperatura de 22 graus.
Remo na Suíça italiana
Ponto final da nossa travessia, Lugano é uma charmosa cidade arborizada à beira-lago, com língua, menu e calor italianos. Chego ali depois de apenas 15 minutos de trem a partir de Bellinzona, e caminho facilmente até o LuganoDante, um charmoso hotel boutique vizinho à estação.
Com 4 mil quilômetros de trilhas, esta região de Ticino se orgulha da sua vocação para atividades ao ar livre. Conheço mais um pouco das paisagens locais na manhã seguinte: pego o trem até o transparente Rio Ticino para remar uma canoa tranquilamente ao longo de 4 horas e 8 quilômetros.
É minha despedida, ao menos por ora, da Suíça. A meta de viajar só com o Swiss Travel Pass ou pelas minhas próprias pernas na viagem de Norte a Sul foi cumprida. É claro que teria sido mais rápido — e igualmente sustentável — embarcar nos modernos trens que cruzam o país várias vezes ao dia. Pela ferrovia, leva-se apenas 2 horas entre Zurique e Lugano, como constatei na viagem de volta.
Fazer o caminho mais lento e ativo, no entanto, permite conhecer a Suíça a fundo: em 4 dias, caminhei, pedalei, remei e testei as eficientes conexões entre trens, bondes elétricos, metrôs, funiculares e barcos. E, sem tombos ou perrengues, concluí a jornada são e salvo.
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